Acho que todo fisioterapeuta já foi questionado quanto a este estranho fenômeno sonoro. Mas afinal, como se explica este barulho?
A resposta padrão dá conta de que a descompressão súbita dos gases diluidos no líquido sinovial formam bolhas de gás no interior da articulação, as quais causam este estalido audivel. O pior é que geralmente nos damos por satisfeitos com esta explicação, mesmo sem questionar se faz ou não sentido (gases no líquido sinovial? Bolhas no interior da articulação? ) ou mesmo se existe algum fundamento científico para esta resposta.
Pois bem, hoje resolvi bancar o caçador de mitos e investigar este fenômeno pouco compreendido que constitui um verdadeiro enigma da fisioterapia.
O FENÔMENO DE CAVITAÇÃO
Logo de cara devo dizer que a hipótese do ruído ser causado por bolhas no líquido sinovial não é fruto da imaginação fértil de algum professor de cinesiologia, mas sim baseada nos resultados de pesquisas científicas.
Os primeiros pesquisadores a investigar o fenômeno de barulho nas articulações foram Roston e Haines em 1947 (Roston JB, Haines RW. Cracking in the metacarpophalangeal joint. J Anat 1947; 81:165-73.). Eles estudaram as forças de distração (afastamento) para gerar o estalo na articulação metacarpofalangeana.
No experimento realizado por eles, as articulações foram inicialmente separadas por cerca de 1,8 milímetro, e em seguida registrada a força de distração da articulação e simultâneamente uma radiografia para investigar a distância entre os ossos. Eles observaram que conforme a tensão de distração aumentava, a distância entre os ossos também aumentava de forma proporcional. No entanto logo após o estalo, a radiografia mostrava um aumento muito grande no espaço entre os ossos - ou seja: o comportamento mecânico da articulação era significativamente modificado após o estalo.
Além desta mudança na curva força-deslocamento, estes pesquisadores também observaram a formação de uma "cavidade radiolucente" (radiolucent cavity) no interior da articulação após o estalido. Eles especularam que esta cavitação seria formada pelo vácuo parcial criado pela distração da articulação. Aqui vale a pena uma pequena explicação: Cavitação é um termo utilizado para descrever a formação de bolhas de gases no interior de um fluido devido a uma redução da pressão local.
O trabalho de Haines e Roston ficou esquecido por 25 anos, até que em 1972, Unsworth e colaboradores, publicaram um trabalho sobre os gases no interior da articulação após o estalo audível (Unsworth A, Dowson D, Wright V. Cracking joints: a bioengineering study of cavitation in the metacarpophalangeal joint. Ann Rheum Dis 1972; 30:348-58). Assim como Haines e Roston, eles também observaram que o grau de afastamento articular também aumentava muito após o estalo. Eles verificaram que antes do estalo, o espaço intra-articular era de 0,98 mm, e que imediatamente após o crack o espaço articular aumentava para 2,50 mm. Cinco minutos mais tarde, o espaço intra-articular era de 1,40 mm; e 15 minutos depois, o espaço havia retornado à distância de 0,98 mm.
Além disso, eles também estudaram a composição do gás diluido no líquido sinovial. A maior parte (80%) desse gás é composto por dióxido de carbono, e seu volume corresponde a cerca de 15% do volume da articulação. Foi calculado que após o estalo, o gás demorava uns 30 minutos para se dissolver novamente no líquido sinovial. Curiosamente, este intervalo é bem próximo ao tempo necessário para que a articulação possa ser estalada novamente.
Em 1988, Mierau et al (Mierau D, Cassidy JD, Bowen V, Dupuis P, Noftall F. Manipulation and mobilization of the third metacarpophalangeal joint: a quantitative radiographic and range of motion study. Manual Med 1988; 3:135-40.) descobriram que as articulações após o estalo apresentavam uma escala significativamente maior de movimento. Isso indica que o fenômeno sonoro é associado a pelo menos um aumento temporário na amplitude de movimento de uma articulação.
Bem, como toda boa pesquisa, esta minha singela postagem gerou algumas outras perguntas que me esforçarei em responder baseado em pesquisas publicadas:
Estalar as articulações tem alguma relevância clínica ? (sei que estarei mexendo em um vespeiro!!!), Afinal, faz bem, faz mal ou tanto faz? Dá artrose? Engrossa os dedos? Vou tentar responder a estas perguntas em breve.
REFERÊNCIAS:
Joint cracking and popping Understanding noises that accompany articular release
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