Sabemos a importância de mobilizar o paciente crítico, faz parte da nossa formação minimizar os efeitos deletérios do imobilismo. Entretanto devemos sempre nos deter de um raciocínio mais aprofundado no que diz a respeito a fisiologia do exercício. O conhecimento básico sobre a energia utilizada durante as atividades e sua correlação com o processo fisiopatológico é primordial, bem como o seu custo benefício.
Pois então vamos retornar a conceitos básicos lá no nosso ensino médio, onde o ciclo de Krebs era a nossa dor de cabeça e o que se fale ainda do FAD e o NAD... são o que mesmo ? transporte de elétrons.. há sei lá não vou precisar disso mesmo... enzimas? Não vou ser biólogo para que entender disso.
Não basta entender, temos que deter total conhecimento das POSSIBILIDADES existentes com a manipulação de moléculas celulares, principalmente quando lidamos com pacientes críticos.
Então vamos começar a entender as reações energéticas do organismo (Bioenergética), para que possamos introduzir este conceito em pacientes críticos.
Em geral a célula é constituída
Membrana celular: Barreira semipermeável que separa o meio intra e extracelular, formada basicamente de fosfolipídios e proteínas que servem como intermédio de informação e desencadeamento de reações transmitidas entre os meios.
Núcleo: No qual está contido o “cérebro” celular, com os genes que controlam a síntese protéica responsável pela composição e atividade celular.
Citoplasma: Porção líquida localizada entre o núcleo e a membrana plasmática no seu interior encontra-se as organelas, responsáveis por funções particulares e organizadas, dentre as quais está à mitocôndria – usina celular – responsável pela produção de energia (ATP).
Denominada como unidade básica da vida, a célula é responsável pela produção de sua própria energia para realização de atividades vitais. As reações funcionam como uma engrenagem sendo uma impulsionando a outra, logo temos reações com a adição de energia que são chamadas endergônicas e outras com a liberação energética chamadas exergônicas, as quais estão interligadas/acopladas, com a liberação de energia livre de uma reação sendo utilizada para desencadear a outra.
Figura 1 Exemplo das reações acopladas
As reações envolvendo processo de adição e liberação energética envolve em quase toda cadeia a OXIDO-REDUÇÃO, oxidação referente a remoção de um elétron de um átomo ou molécula e redução à adição de um elétron a um átomo ou molécula. Assim o agente redutor é aquele que doa elétrons e o que aceita o oxidante.
Reações energéticas acontecem de forma incessante no organismo e claro demandando tempo e energia que possuem regulação enzimática, através de moléculas protéicas dotadas sulcos e saliências características chamados de sítios ativos que ajustam ao substrato da reação, sendo análogo ao mecanismo chave e fechadura.
Normalmente o substrato para que o ocorra as reações bioenergéticas são os carboidratos, gorduras e ocasionalmente proteínas.
Carboidratos – Constituídos por átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio, sendo apresentados como monossacarídeos (glicose e frutose), dissacarídeos (sacarose – glicose + glicose) e polissacarídeos (celulose e amido). Inteligentemente o organismo estoca a energia, principalmente em células musculares e hepáticas, na forma de glicogênio que são centenas ou milhares de moléculas de glicose.
Gorduras – É o combustível ideal para o exercício prolongado e de grande valor energético por unidade de peso com mais do que o dobro dos carboidratos e proteínas. No geral podem ser classificadas como: ácidos graxos – principal fonte de energia das células musculares, triglicerídeos - constituído por três moléculas de ácidos graxos e uma de glicerol, que podem ser quebrados através da lipólise durante a sua necessidade, fosfolipídios – constituem a membrana celular e a bainha de mielina de células nervosas, e por último os esteróides – cujo principal é o colesterol que constitui a membrana celular e os hormônios sexuais, não são utilizados como fonte de energia.
Proteínas – Constituídas por aminoácidos, sendo nove desses não produzidos e precisam ser ingeridos em alimentos, são chamados essenciais. Para a sua utilização como forma de energia a proteína precisa ser clivada na forma de aminoácidos, sendo o principal a alanina que pode ser convertida em glicose no fígado e assim ser utilizada para formação de glicogênio.
Entretanto a célula não utiliza o substrato (glicose) como a sua fonte de energia, é através dele que é gerada uma série de reações para a produção de ATP (trifosfato de adenosina), fonte mais importante de energia celular, que também está estocado, nas células musculares .
A quantidade de ATP armazenado é bastante restrita e precisa de renovação do estoque constantemente e logo que se inicia a atividade muscular. Os acessos a vias de energia para a produção de ATP são:
DEGRADAÇÃO DO FOSFATO DE CREATINA (PC).
DEGRADAÇÃO DA GLICOSE OU DO GLICOGÊNIO - GLICÓLISE
FORMAÇÃO OXIDATIVA DO ATP.
E assim começamos a traçar dois conceitos básicos que envolve a utilização do oxigênio – via aeróbia, oxidativa (3) e a que não envolve o oxigênio via anaeróbica – via anaeróbica (1, 2).
Geralmente num existe uma atividade somente aeróbica ou anaeróbica e sim a predominância metabólica, exercícios rápidos e de alta intensidade envolve anaerobiose, já atividades longas e baixa intensidade o metabolismo aeróbico.
O exercício envolvendo rápida contração muscular requer fonte que esteja pronta ou que possua um estoque de rápido acesso, geralmente não envolve o uso do oxigênio, uma vez que o ATP está estocado e que possui o fosfato de creatinina, mesmo que limitado, pronto para renovar o estoque.
PC + ADP ------------> ATP+ C (enzima catalisada creatino cinase)
Entretando para renovação do sistema ATP-PC somente no período de recuperação do exercício.
A via da glicólise envolve a quebra da glicose ou glicogênio para formar duas moléculas de ácido pirúvico ou do temido ácido lático.
A quebra da glicose envolve uma fase endergônica para o preparo da glicose que após 5 reações é transformada em duas moléculas de gliceraldeído-3-fosfato cada uma dando origem a uma molécula de piruvato (2 no total).
Figura 2 - Glicólise
Observe que a reação possui um saldo de produção de 2 ATP, e aqui entram os tão solidários NAD (nicotinamida adenina dinucleotídeo, derivado da vitamina niacina B3) responsável pela recepção do íon hidrogênio se transformando em NADH, entretanto o NAD é uma molécula transportadora e precisa liberar esse íon para que haja a sua renovação.
Existem duas maneiras para que o NAD seja renovado uma é se houver oxigênio suficiente esse íon pode ser direcionado a mitocôndria e contribuir para a produção aeróbica de ATP tendo como produto final água e CO2, e caso não existam reservas de oxigenação o íon é direcionado ao ácido pirúvico transformando-o em ácido lático de modo que a glicólise possa continuar.
Figura 3 - Recepção do íon H+ transformando o piruvato em ácido lático, catalisado pela enzima lactato desidrogenase.
Existem duas maneiras para que o NAD seja renovado uma é se houver oxigênio suficiente esse íon pode ser direcionado a mitocôndria e contribuir para a produção aeróbica de ATP tendo como produto final água e CO2 e caso não existam reservas de oxigenação o íon é direcionado ao ácido pirúvico transformando-o em ácido lático.
Entretanto a glicólise pode ser considerada o primeiro passo para o metabolismo aeróbico que acontece no interior das mitocôndrias, envolvendo duas vias metabólicas.
CICLO DE KREBS
CADEIA DE TRANSPORTE DE ELÉTRONS
A função do ciclo de Krebs é o término da oxidação dos carboidratos, gorduras ou proteínas com a utilização do NAD e do FAD (flavina adenina dinucleotídeo, derivado da vitamina flavina B2).
A produção aeróbica de ATP pode ser dividida em 3 fazes
- Geração da molécula fundamental de 2 carbonos, a acetil-CoA
- Oxidação da acetil-CoA no ciclo de Krebs
- Fosforilação oxidativa na cadeia de transporte de elétrons, que possui como receptor final dos íons o oxigênio, tendo como resultado final a água.
Figura 4 - Ciclo de Krebs.
Logo em seguida os agentes transportadores entram na cadeia respiratória para refosforilar o ADP em ATP, os átomos de hidrogenio aqui são passados por uma série de transportadores, os citocromos, que durante a passagem do elétron é liberada energia suficiente para refosforilar o ADP em ATP em três locais diferentes.
Figura 5 - Cadeia Respiratória.
De modo que a produção anaeróbica de gera 2 ATP e aeróbica 32 ATP.
Desta forma o organismo respira através das mitocôndrias e transforma energia continuamente para nossas funções. Nada haveria se não houvesse a interação dessas moléculas e suas reações que são auxiliadas por enzimas catalisadoras.
O funcionamento das enzimas é realizado de forma harmônica, mas como o organismo detecta a necessidade de estimular a geração de ATP ou diminuir a sua síntese??? A resposta é: enzimas alostéricas, que regulam a sua atividade de acordo com moduladores que aumentam e diminuem a atividade enzimática.
Normalmente essas enzimas se encontram inteligentemente no começo da reação para quando inibida produtos intermediários da via não se acumule no meio e altere outras funções vitais.
Figura 6 - Fatores moduladores da Bioenergética.
Para exemplificar melhor vou usar um exemplo resumido da contração muscular. Quando se inicia uma atividade muscular a primeira reação mecânica em que se há é o deslizamento entre actina e a miosina graças a quebra de ATP resultando o ADP + Pi, além da liberação de cálcio pelo retículo endoplasmático, que elevam a sua concentração no meio.
Somente nesta instância temos três moduladores, o ADP e Pi responsável pela estimulação da fosfrutocinase e o Ca da isocitrato desidrogenase, que aumentam a atividade glicolítica e do ciclo de Krebs, afim de gerar mais ATP e consequentemente energia para a célula.
Isso claro tudo ocorrendo em condições homeostáticas sem alterações orgânicas clínicas. Contudo, temos que entender que lidamos com disfunções em pacientes criticamente enfermos, e somos responsáveis por grande parte de seu gasto energético.
Minimizamos o efeito do imobilismo, recuperamos precocemente, mas será que estamos selecionando realmente o nosso paciente? Avaliamos custo benefício? a mobilização quando realizada sem critério possui seus efeitos deletérios que muitas vezes podem culminar em mais disfunções.
Vamos então raciocinar um pouco e procurar destrinchar um pouco o assunto.
Devemos sempre lembrar da reserva ventilatória do paciente, mais da metade dos pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva necessitam de suporte ventilatório. Vimos que o oxigênio é essencial para recepção de elétrons no final da cadeia respiratória além de desviar a descarga do NAD no interior da mitocôndria evitando a ligação do íon hidrogênio ao piruvato e consequentemente o acúmulo do ácido lático.
Infecção latente, normalmente há, temos consumo energético e gasto de ATP? Não tenha dúvida então vamos começar a acompanhar a dosagem enzimática o lactato desidrogenase é um marcador importante é quando muito alto pode indicar a formação de ácido lático.
Mobilizar neste momento? Talvez ... custo benefício e o efeito da acidose pode nos dizer melhor isso, a atividade muscular por mais passiva que seja ainda assim exige energia e demanda oxigênio, e sobrecarregar o orgarnismo em algumas situações podem ser não ser benéfico, claro que devemos posicionar e até mesmo alongar em determinadas situações.
Temos oxigênio chegando as tecidos? Avaliação da pressão venosa central (PVC) associada a freqüência cardíaca e um exame laboratorial como a gasometria e as vezes um hemograma podem nos ajudar a visualizar melhor o paciente.
A PVC < 12 cmH2O + taquicardia opa... paciente desidratado? Provavelmente, pós-cirurgico a chance aumenta, verifique a quantidade de líquido perdida na cirurgia, ausência de febre + hemograma normal e sem desvio, descarto processo infeccioso. Gasometria revelando acidose metabólica, certamente chegamos a nosso ponto em que a volemia sanguínea não está sendo o suficiente para ofertar oxigênio em tecidos periféricos, associada a possível SIRS, produzindo ácido lático, talvez uma discussão multiprofissional do grande benéfico que este paciente vai ter com a mobilização otimize a nossa terapêutica.
Por outro lado na vigência de infecção a demanda metabólica aumenta devido o gasto energético com aumento de fluxo sanguíneo, da capacitância dos vasos, temperatura, atividade protéica, leucocitária e até mesmo estresse ambiental com alterações do ciclo circadiano também propiciam alterações metabólicas importantes.
Instabilidade hemodinâmica? Muitos pacientes cursam com choque séptico, hipovolêmico, necessitando de drogas vasoativas que quando administradas em doses de moderadas a alta prejudicam de forma clinicamente significante a circulação periférica e conseqüentemente oferta de nutrientes primordiais as células
Níveis glicêmicos alterados? Hiperglicemia... não se esqueça que o exercício libera adrenalina que estimula o AMPc e este a fosforilase, responsável pela quebra de glicogênio em glicose que é lançada na corrente sanguínea aumentando seus níveis e possivelmente efeitos deletérios como os neropáticos, não esquecendo também é claro que o exercício aumenta a sensibilidade insulínica o que pode também regulizar seus níveis glicêmicos.
Alterações hepáticas? Certamente alterações na quebra de glicogênio – fígado gorduroso, a não liberação de energia adequada pode gerar alterações metabólicas que podem levar até ruptura de membranas celulares e liberação de potentes radicais livres e olhe que nem citei agente anti-oxidantes.
Se falarmos em diabéticos ainda vai levar uma vida, mas o objetivo era mesmo fazer uma revisão sobre as condições energéticas e assim introduzir em cada condições fisiopatológica específica e assim aprofundar mais ainda o nosso estudo, mobilizar é preciso, selecionar é preciso.
FONTE:http://fisioterapiaconciencia.blogspot.com/